O sentido da existência
O final do século XX e início do século XXI trouxeram profundas modificações em todos os segmentos da sociedade, que desfruta das mais variadas facilidades pós-modernistas, como as novas tecnologias na área de comunicação e da informação, a globalização que tornou o mundo cada vez mais interligado e oferecendo novos campos de trabalho – e por outro lado enxugando diversos postos de trabalhos nas mais variadas áreas.
Sem contar a competição que tudo isso gera entre os seres humanos, que precisam encontrar um “lugar ao sol”. Vivemos numa época em que estão ocorrendo as maiores transformações da história da humanidade. Entretanto, apesar de toda a parafernália que está à disposição para facilitar a vida do indivíduo, como computadores, máquinas sofisticadas, robôs, além das opções de lazer e entretenimento cada vez mais acessíveis aos pobres mortais, as pessoas estão cada vez mais solitárias, muitas se queixam que fazem tanto e ao mesmo tempo parece que não fizeram nada, sentem um vazio dentro de si e estão sempre em busca de algo que dê sentido às suas vidas.
Mas não é só a questão tecnológica e material que leva as pessoas a sofrerem algum tipo de neurose hoje em dia. Até mesmo a falta de amigos ou de afetividade pode levar à falta de sentido. Essa busca por um sentido também leva à ansiedade, angústia e até mesmo a depressão. É o chamado vazio existencial e se o indivíduo não buscar ajuda com um profissional poderá aumentar ainda mais seus problemas.
Em seu artigo “A Presença do Futuro”, publicado em 1994, o pastor e teólogo Joiadas Soares já citava essa problemática: “O mundo nesses três decênios tem sofrido mudanças aceleradas gerando transformações assustadoras em nações e indústrias e atingindo o homem de forma marcante e profunda, causando tensão, medo insegurança e até mesmo um tremendo pavor pela incerteza do amanhã (…). O homem moderno vem sendo submetido a mudanças brutais num curto espaço de tempo e, como consequência, vive em constante pressão psicológica, angustiado, neurótico sem nenhuma perspectiva (…). Uma nova era está sendo introduzida no mundo e atingindo drasticamente a humanidade: a era da super-industrialização, cujo resultado é a automatização crescente, transformando o homem numa espécie quase descartável”.
A sociedade atual queixa-se do vazio existencial e procura preenchê-lo através do consumo de bens materiais, drogas, bebidas, buscando prazer até mesmo com diversos parceiros/as, tentando dar um significado para a vida.
Mas as pessoas se perguntam de que vale tanto esforço e ao mesmo tempo tanto sofrimento em suas vidas, seja numa situação normal de trabalho ou até mesmo numa situação de tragédia. Esse vazio existencial tão comum nos dias de hoje é chamado como o “mal do século XX” e tornou-se a neurose de massa, que atinge todas as classes socioeconômicas.
Perseguir o poder, a segurança econômica e o status profissional pode não ter nenhum significado para o espírito das pessoas, que só conseguem atingir metas de vida, sem com isso chegar à felicidade ou à segurança. Isso só é obtido quando o ser humano encontra um sentido (ou valor) dentro de todo esse círculo de situações, do qual não podemos deixar de fora o lado intelectual e emocional. É preciso que o homem anseie por algo que possa gerar uma certa tensão, pois isso motiva-o a buscar aquilo que possa lhe satisfazer, evitando assim que caia na apatia. Parece que tudo aquilo que as pessoas fazem não as satisfazem. Por isso é importante ficar atento ao que se passa com as pessoas ao nosso redor, que muitas vezes precisam de ajuda e não nos damos conta, inclusive nas igrejas.
Mas algumas perguntas ficam no ar:
Esse vazio existencial tem cura? O que fazer para que o indivíduo sinta-se menos vazio?
É possível reagir? Bem vamos tentar responder a estas perguntas ao longo deste trabalho, que foi buscar no livro “Em busca de Sentido”, de Viktor Frankl, as respostas para o mal que atinge a sociedade moderna.
Conceitos fundamentais da Logoterapia
A Logoterapia é um sistema teórico-prático de psicologia criado pelo psiquiatra Viktor Emil Frankl, que nasceu em Viena em 26 de março de 1905 e morreu em 02 de setembro de 1997, a partir de suas experiências nos campos de concentração nazistas.
Em seu livro “Em busca de Sentido”, Frankl relata o drama vivido com milhares de outros prisioneiros dos campos de concentração nazistas. Foram torturados física e psicologicamente, passaram fome e frio devido ao trabalho forçado na neve. Frankl relata que uma pergunta era frequente: o por que de tanto sofrimento? Que sentido em tudo aquilo?
Durante a guerra, observou a si mesmo e a outros em situações limite nos campos de extermínio e comprovou a essência do que é ser humano: numa situação desumanizadora, usar a capacidade de transcrever e manter a liberdade interior. Segundo ele, “a pessoa podia permanecer corajosa, valorosa e digna e somente sucumbia às influências do campo de concentração aquele que entregava os pontos espiritual e humanamente”. Foi considerado o médico da “doença do século XX”, decorrente do vazio existencial. Afirmou que “o homem, por força de sua dimensão espiritual pode encontrar sentido em cada situação da vida e dar-lhe uma resposta adequada”.
A vida e a obra de Viktor Frankl são uma sequência de fatos que se desencadeiam em um testemunho inquestionável do poder desafiador do espírito. Nos mostra como se pode viver humanamente se a busca de sentido é “resolvida”. Frankl coloca que a busca de sentido é uma exata e precisa definição da natureza humana. Segundo Frankl, as pessoas em desespero sempre perguntam “o que esperar da vida?”. É preciso mostrar a elas que devemos perguntar “o que a vida pode esperar de nós”?
Viver não significa outra coisa senão arcar com a responsabilidade de responder às perguntas da vida, pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida a cada indivíduo. “A vida não é nada vago, mas sim concreto”, e em cada situação a pessoa é chamada a agir. Contudo, quando descobre que o destino lhe reservou um sofrimento, tem que ver nesse sofrimento uma tarefa sua, única e original. “Ninguém pode substituir a pessoa no sofrimento”, diz Frankl.
A vontade do sentido também pode ser frustrada, o que a Logoterapia chama de frustração existencial. O termo existencial pode ser usado de três maneiras diferentes, referindo-se:
- À existência em si mesmo;
- Ao sentido da existência;
- À busca por um sentido concreto na existência pessoal.
A frustração dessa necessidade é um sintoma do nosso tempo. O sofrimento e a falta de sentido configuram o vazio existencial que muitos experimentam. A busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, pois de acordo com pesquisas o indivíduo precisa de algo em função da qual viver.
Vazio Existencial
É um fenômeno do nosso século, que tem causado ao indivíduo uma perda de alguns instintos que asseguram sua existência, como a perda de tradição, por exemplo. Esse vazio se manifesta num estado de tédio, que gera problemas, que geram angústia e que leva ao suicídio. O sentido da vida sempre se modifica, mas nunca deixa de existir. De acordo com a Logoterapia, podemos descobrir este sentido na vida de três formas diferentes:
- Criando um trabalho ou praticando um ato;
- Experimentando algo ou encontrando alguém;
- E pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável.
O caminho da realização de alguma atividade, profissional ou não, é a primeira forma de encontrar um sentido para a vida. Não é só a atividade profissional ou intelectual que pode nos dar esse sentido. Pode ser também uma atividade filantrópica, por exemplo. Fazer o bem ao próximo por meio de um trabalho voluntário pode ser útil para ocupar a mente e o coração de um indivíduo.
Bom exemplo disso é o caso de um grupo de mulheres da Igreja Unida em Ermelino Matarazzo que atua voluntariamente no Hospital Municipal de Ermelino Matarazzo e que, uma vez por semana, disponibiliza algumas horas do dia para dar o almoço para os doentes desacompanhados (que muitas vezes nem família tem). Sem dúvida, oferecer um pouco de seu tempo para alguém que precisa faz com que a pessoa se sinta melhor e mais útil, dando um sentido para sua existência.
A segunda maneira é experimentando algo – como a bondade, a verdade, a cultura, a beleza ou amando o ser humano. O amor é a única maneira de captar outro ser humano no íntimo de sua personalidade. A terceira forma de encontrar sentido na vida é no sofrimento de uma situação sem esperança, numa fatalidade que não pode ser mudada, também quando conseguimos transformar uma tragédia pessoal num triunfo, convertendo nosso sofrimento em conquista humana. “Se não podemos mudar uma situação, mudamos a nós mesmos”.
A Vida é Bela
Observamos que a existência humana caracteriza-se pela sua liberdade de se posicionar diante das situações colocadas diante de cada indivíduo para que encontre um sentido em sua vida como forma de impulsioná-lo a viver. No filme “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni, vemos que o ator principal coloca-se diante do mundo com inúmeras possibilidades de agir e criar diante das situações completamente adversas.
O filme se passa na Itália dos anos 40, em o ator principal é levado para um campo de concentração nazista e tem que usar sua imaginação para fazer seu pequeno filho acreditar que estão participando de uma grande brincadeira, com o intuito de protegê-lo do terror e da violência que os cercam. No filme o ator consegue dar sentido a situações até mesmo banais, brincando com o acaso, mas que ajudam a encarar os horrores da guerra, estabelecendo uma relação com essas situações.
Independentemente das circunstâncias que surgem diante de si, durante toda a trama o ator consegue perceber o sentido de cada coisa, fazendo-o com que atinja seus objetivos. Seu filho aprendeu a brincar com as circunstâncias e consegue suportar os temores do campo de concentração. Ele aprendeu a pensar que aquele cenário de guerra era apenas um jogo no qual os vencedores ganhariam um tanque de guerra. Foi desta forma que o ator conseguiu dar à criança a possibilidade de ver um sentido em tudo aquilo já que a ideia de ganhar o tanque de guerra soava como uma possibilidade de passar pelas situações, por mais dolorosas que fossem.
O livro de Frankl aborda exatamente isso, dar um sentido à vida, apesar das circunstâncias, pois ele viveu situação semelhante enquanto esteve nos campos de concentração nazistas. Para ele, o sentido da vida pode levar o indivíduo a superar limitações em busca de um futuro.
Viver significa enfrentar as situações, por mais amargas que sejam, evitando o vazio existencial que ocorre quando o indivíduo não encontra um propósito para o qual possa viver.
Assim como no filme, o ser humano precisa ter algo para o qual ou para quem possa dedicar sua existência, é isso que o orienta e impulsiona para a vida tendo em vista um fim. Não importa o sofrimento, o prazer ou a dor, o que importa é o sentido que damos a tudo isso, é usarmos nossa liberdade para dar um sentido ao mundo.
Frankl descreveu a existência de Deus como análoga ao ponto de fuga de um desenho, cujas linhas convergem neste ponto. Fazendo uma analogia com a vida real é o mesmo que dizer que ao seguir pelos caminhos da existência, nos movemos sempre em direção ao ponto de fuga, sem que se possa alcançá-lo. Para muitas pessoas Deus, como um ponto de fuga, representa um exercício intelectual que necessita de importância para suas vidas pessoais. Tanto a psicologia existencial quanto a filosofia secularizam a religião e ampliam o leque das experiências pessoais através das quais pode-se encontrar sentido.
Nos tempos bíblicos, o homem percebia a presença de Deus em todos os aspectos de sua vida como um pai amoroso, porém severo. Até hoje preservamos a ideia de que Deus oferece segurança aos seres humanos. Atualmente a religião recobrou o caráter existencial que possuía nos tempos bíblicos, levando o indivíduo a aprender a viver de acordo com suas potencialidades, a suportar o sofrimento inevitável, a encontrar sentido e conteúdo em sua existência individual.
Segundo a definição de Frankl, “a religião é a consciência que o homem tem da existência de uma dimensão sobre-humana, e sua fé básica no sentido último que reside nessa dimensão”.
A mensagem deixada por Jesus tem sobrevivido através dos séculos e se apresenta como uma arma poderosa no combate às angústias da vida moderna, pois se baseia no amor, no perdão e que todos nós temos direito à vida.
A palavra de Deus que encontramos na Bíblia Sagrada é capaz de levar o indivíduo a encontrar respostas para seus dilemas e angústias, livrando-se do vazio existencial dos tempos modernos; basta abrir o coração diante D´Ele, com humildade.